TRÊS ANOS DE IDADE
Dessa vez fizemos uma festinha na escola com os professores
do Lorenzo: o Cláudio e a Marina, junto com toda a meninada. A Marina era uma
pessoa doce, bonita, muito adorável e dedicada com o Lorenzo. O Cláudio era professor
de música e foi ele quem instituiu o pandeiro na vida do Lorenzo. E nesse dia
especial ele ganhou um pandeiro da Marina. Já sabíamos que ele não gostava de
cantar parabéns, então o Cláudio só tocou no violão a musiquinha. Foi um dia
ótimo. Nessa época Lorenzo lidava bem com o ambiente escolar.
Sabe, quem dera nossos outros problemas não existissem para
que pudéssemos nos dedicar com mais intensidade no trabalho com nossos filhos
especiais. Eu estava reduzindo minhas horas de trabalho e entrando com fé no
vermelho financeiro. Não podia ser diferente, eu precisava estar mais próxima
do meu filho.
A administração do resto da rotina era bem desafiadora e eu
me sentia realmente sob uma enorme pressão. Por isso, no Programa Son-Rise é
dito que as mães são Força da Natureza.
Para mim, ser somente a força da natureza era pouco, eu precisava ser a
força gravitacional da somatória de todos os buracos negros do universo. Mas
estava tudo bem, eu estava com toda a energia alegre de continuar buscando
recursos para o Lorenzo.
Continuei meu contato com o Autism Treatment Center of America. Fiz uma consulta inicial
gratuita por telefone. Jan-Marie, a consultora familiar, usando seu discurso
positivista e metódico (coisas que os americanos sabem fazer muito bem) começou
a colocar mais pilha ainda na minha vontade de fazer o curso do Son-Rise. Ela
me ensinou a fazer um tal de fundraising,
que é uma angariação de fundos para conseguir pagar as despesas do programa do
Lorenzo.
Fiz a coisa toda, panfletos, divulgação, sessão de cinema
com o filme Meu Filho Meu Mundo. Nessa
angariação de fundos, só os amigos próximos e algumas pessoas da minha família
nos ajudaram. As instituições, os clubinhos, as maçonarias, a politicagem, a
turma empresarial...ih gente, a coisa não deu ibope com eles não!
Mas no fim, somamos o que tínhamos com o que arrecadamos e
Jan-Marie ainda conseguiu um super desconto para mim. Tudo certo! Em fevereiro de 2007 eu iria
finalmente fazer o meu curso do Programa Son-Rise. Iria sozinha. Mariana me
ajudou com toda a logística de como chegar ao instituto. Não a encontraria por
lá porque seria bem na época do recesso dela e ela viria ao Brasil visitar a
família. Que beleza, em menos de três meses eu estaria embarcando rumo a
Massachusetts.
Certa noite meu telefone toca:
“Oiii!..Estou
maravilhada com o Programa Son-Rise!! Soube através da Luzanira que você está
indo para o curso, estou doida para ir junto! Não falo inglês, você me ajuda na
tradução? Será que ainda dá tempo de tirar o meu passaporte? Eu preciso ir também! Eu
queeeeroooo! Já está dando certo aqui para meu filho! Ah, eu vou!! Você me leva
junto então?? Será? Será que dá tempo? Ai que programa lindo! É esse que eu vou
fazer! Blá-blá-blá-blá....”
Era uma mãe falante e animada. Figura! Não quis cortar o
barato dela assim de cara, mas é que em menos de um mês ninguém consegue tirar
o passaporte e muito menos consegue o visto na embaixada americana. Que pena,
não teria uma companheira de viagem. Não seria naquele mês que eu iria conhecer
a Elaine Marabita. Mas ela já me animara muito com a notícia de que o Lucas,
assim como o Lorenzo, já estava dando certo com algumas técnicas do programa.
Barry “Bears” Neil Kaufman e Samahria Lyte Kaufman são os
fundadores do Programa Son-Rise. Raun
Kaufman, o filho deles que superou o autismo e que já fez girar muitos pratos
na vida é o CEO do instituto.
Um dia, ouvindo uma gravação do Bears Kaufman me
identifiquei muito quando ele dizia que Raun
quando pequeno e ainda vivendo totalmente absorvido em seu mundo,
balançava seu corpo para frente e para trás, por horas. Ele comparou Raun aos
monges do oriente que quando meditavam faziam o mesmo movimento do corpo em
busca do estado de vazio da mente. A mãe zen aqui teve uma identificação total
com essa colocação, aliás, ele parecia eu falando do Lorenzo.
A filosofia do
Programa Son-Rise era bem de vanguarda para o autismo, muito resumidamente é
algo assim:
- Ao invés de forçar a criança a interagir em nosso mundo,
nós vamos até o mundo dela.
- As atitudes de amor, aceitação, respeito e não-julgamento
são os pilares do programa.
- A criança nos ensina, juntamo-nos a ela em suas
estereotipias (ismos). Respeitamos seus isolamentos e também nos juntamos a ela
nesses momentos.
- As técnicas do programa são feitas em um playroom, um quarto de brincar livre de
estímulos sensoriais. O trabalho é feito um a um, sempre modulado pelos 3E’s:
energia, entusiasmo e empolgação. Elogia-se sem economias cada tentativa de
interação por parte da criança.
Isso é pura física quântica e metafísica! Por isso funciona,
trabalha-se direto no campo das possibilidades criando uma nova realidade e
desmancham-se as limitações, nesse caso, do autismo. Muda-se o paradigma atual.
Vibrar em um campo energético positivo é algo muito poderoso. Quando dizemos
para um filho que ele é inteligente e capaz, quando o elogiamos, modificamos as
reações bioquímicas em seu cérebro e o ajudamos a superar as crenças limitantes
e cria-se toda uma nova realidade positiva de vida que irá expressar-se em cada
célula de seu corpo e toda essa nova informação será impressa em seu DNA.
Mas finalmente chegou o dia da minha viagem.
Ficaria dez dias no instituto. Voei até Nova York. Estava um
frio danado, ali fazia uns quatro graus abaixo de zero. Para chegar ao meu
destino eu precisava ir de taxi, mas já havia combinado com a companhia antes e
o taxista já me esperava.
Quando saímos daquele pedaço agitado da cidade de Nova York,
o visual paisagístico começou a ficar muito bonito. Aquela região da Nova
Inglaterra branquinha de neve dava uma sensação de déjà vu danada.
Era curioso que a região ocupada pelo Option Institute (esse é o nome oficial do instituto que engloba o Autism Treatment Center of America)
ficava sobre a fronteira dos estados de Connecticut e Massachusetts, mas oficialmente era em
Sheffield, MA. Chegamos. O lugar era muito bonito, a plaquinha da entrada
dizia: A place for miracles. Tinha
toda pinta de ser um lugar para milagres mesmo.
Meu pé afundou na neve quando pisei no chão. Treze graus
abaixo de zero. Eu que estava no auge do sobrepeso parecia uma embalagem
redonda, de tanta roupa. Era a primeira participante a chegar. E parecia que só
tinha eu ali. Mas a terra do Tio Sam é organizada, e eu já sabia para onde
deveria ir. Achei meu quarto que dividiria com Kylie, uma mãe da Austrália. Vi
um telefone e liguei: “Alouu Jan-Marie! Cheguei, me oriente, estou sozinha!”
Cinco minutos depois lá estava ela de corpo presente, hospitaleira, me
orientando.
Vi então os outros funcionários e voluntários que estavam lá, claro
que tinha gente no instituto, era só ter andado um pouquinho mais. E Kylie
chegou. Passamos a noite sozinhas na casa chamada Ravine House. Por fim, o outro dia chegou. Entender inglês
australiano às 7 da manhã e com sono é para os fortes. Mas minha companheira de
quarto era uma excelente e divertida companhia.
Todos que faltavam chegaram naquele dia. E o curso começou.
Era fascinante estar junto de famílias do mundo inteiro com histórias iguais a
minha. Quanto positivismo! Aprendemos o suficiente para dirigir o nosso
programa. Ouvimos lindas histórias, conversamos sobre nossos filhos, nos
emocionamos, rimos bastante e nos sentíamos prontos para realizar o “milagre”
na vida de nossas crianças. Nos intervalos e a noite eu ouvia as histórias das
mães que faziam um protocolo biológico chamado Protocolo DAN! (Defeat Autism Now!) No Brasil não existia
nada disso ainda. Foram muitas experiências enriquecedoras nos dias que se
passaram ali no instituto.
Voltei para casa, continuei o programa. O Lorenzo continuava
a ter progressos, mas era certo que tínhamos um longo caminho pela frente.
Ele ainda usava fraldas, cantava no lugar de falar algo,
sempre distante dos contextos reais, raramente falava palavras. Adorava o Queen
e sabia cantar várias músicas deles.
Lorenzo dependia da gente para tudo, não sabíamos quando ele
estava com fome, com sede ou cansado, ele não sabia nos dizer nada. Era
agitado, corria o tempo todo de um lado para outro. Ficava desesperado com sons
mais estridentes, era ultra-sensível. Babava muito ainda. Escalava tudo sempre
que podia, eram grades, janelas, armários. Não obedecia a nenhum comando. Ele
sempre tinha melhoras com as terapias naturais, mas faltava alguma coisa para
equilibrá-lo mais, e era exatamente o tratamento biológico que só começaríamos
quase dois anos depois.
Mariana já havia terminado a formação dela. Tornou-se
facilitadora oficial do Son-Rise no Brasil. Ela veio a Brasília então orientar
o programa da Luísa, filha da Lu e pude conhecê-la pessoalmente. Ela voltaria a
nossa cidade mais adiante para orientar o programa do Lorenzo.
O Davi, um menino com autismo, começou a estudar na escola
do Lorenzo. Ele era filho da Flavinha. Eu e a Flavinha trocávamos muitas idéias
e um dia ouvimos falar de uma aula de musicalização para crianças na
Universidade de Brasília que poderia dar certo para nossos filhos. Fomos lá e conhecemos
uma das pessoas que atuava nesse trabalho. Ela se chamava Clarisse Prestes.
Começamos a levar os meninos para as aulinhas e eles ficavam
na salinha com várias crianças da mesma idade. Clarisse então, vendo a
dificuldade dos dois meninos propôs que no lugar da musicalização poderia se
tentar a musicoterapia em outro espaço.
Ela também era musicoterapeuta e trabalharia com cada menino
separadamente. Assim o Lorenzo começou a musicoterapia. O André, cineasta,
marido de Clarisse, quando conheceu os meninos ficou impressionado: “O que
acontece com esses garotos?” E assim ele se juntou a Clarisse nos trabalhos com
as crianças com autismo. A música era toda a motivação do Lorenzo e a
musicoterapia tinha tudo a ver com ele.
Lorenzo não tolerava mais ficar na escola. Sua sensibilidade
sensorial o deixava muito perturbado. Ele ficava desesperado com os gritos, as
algazarras e os choros das crianças. Ele não poderia aprender nada ali sofrendo
daquele jeito.
Tiramos nosso filho da escola. Ele só voltaria a frequentar
uma quando estivesse sensorialmente apto para isso. Por enquanto ele iria ser
trabalhado em casa, no quarto de brincar, era um ambiente onde ele se sentiria
seguro e livre dos estímulos sonoros e visuais que ele ainda não conseguia
filtrar.
Mariana veio então fazer a visita domiciliar do programa do
Lorenzo. Ela foi formidável, deu todas as direções para o programa dele. Foi
muito mais fácil o trabalho depois. Ele começou a falar mais palavras, as
evoluções apareceram com mais força.
QUATRO ANOS DE IDADE
A gente nem ligava mais para as festas de aniversário até
porque o próprio Lorenzo não estava nem aí para elas. Ele precisava de sossego
e de ambientes calmos. Comemoramos só a gente, em casa, com um bolinho.
Ganhamos o Juca, um cãozinho Golden Retriever. Uma fofura
enlouquecedora. Levadíssimo, comia todos os sapatos e brinquedos do Lorenzo.
Mas tornou-se um grande amigo e parte dessa jornada, e sim, tomou juízo.
Lorenzo não era apegado a ele, mas havia uma interação especial entre os dois.
Nessa época, talvez um pouco antes da Mariana começar a
trabalhar no país, tínhamos notícias de que apenas quatro crianças faziam o
Programa Son-Rise no Brasil. O Lorenzo, a Luísa, uma menina em São Paulo e
outra em Blumenau. Ouvíamos falar de outro menino que a mãe, uma diplomata,
havia feito o curso mas não fazia o programa.
Praticamente ninguém conhecia o método no Brasil.
Falar em recuperação do autismo para as pessoas ligadas ao
assunto no país era quase uma blasfêmia. Falar em Son-Rise era como falar em
Papai Noel e Coelhinho da Páscoa. Eu não entendia aquilo, por que as pessoas
não queriam acreditar em uma perspectiva diferente para o autismo? Por que não
haviam tentado ainda algo mais nobre, mais amoroso como o Son-Rise? Em grande
parte dos casos era porque muitos ainda não tinham acesso às informações
diferentes. Em outros casos era porque as pessoas preferiam mesmo ter essa
visão sacramentada do incurável. Eu queria muito mudar essa história.
Lorenzo continuava seu trabalhinho só comigo. A Lu fazia o
programa completo, tinha uma boa equipe. Nós duas sempre pensávamos em como
poderíamos dar um jeito de trazer o Son-Rise para o Brasil. Como a Lu já estava
na área há mais tempo e conhecia muita gente, as pessoas davam muita credibilidade
ao que ela falava. E a gente começou a cutucar a Mariana, e ela que já pensava
nisso, começou a fazer contatos com os amigos do instituto para criar um
workshop do programa. “Vai lá Mariana, manda ver que a gente te ajuda!”
Lorenzo continuava precisando de fraldas e já estava difícil encontrar um tamanho que servia nele. Era como se ele estivesse
desligado da necessidade de usar um vaso sanitário. A gente tentava trabalhar
com ele as idas ao banheiro, porém, não dava certo.
Ele já sabia manusear todos
os botões da TV, do DVD e do som. Suas habilidades como percursionista só
aumentavam assim como seu envolvimento com a música. A essas alturas ele já
tinha um repertório imenso de canções para cantar. Ele memorizava as músicas
rapidamente e passava o dia inteiro,quando fora do trabalho no playroom, cantando e tocando os instrumentos musicais do jeito dele.
Começamos ajudar a Mariana a colocar em prática os planos
para o Workshop. A Lu era a que mais trabalhava na logística do evento. Ela ia
atrás de patrocinadores, parceiros, equipes de som e tradução simultânea, público,
etc. A moça era pra lá de ativa. Eu já era mais passiva e ajudava mais com
textos e tradução do material. A Flavinha também ajudava a gente, era uma
espécie de pau-pra-toda-obra.
Sim, já estava certo, os primeiros workshops do
Programa Son-Rise iriam acontecer e seriam ministrados no Brasil por dois
professores do instituto: Sean Fitzgerald e Kat Houghton. E seria coordenado
pela primeira profissional brasileira do programa, a Mariana Tolezani.
Contar essa história do Programa Son-Rise em nossas vidas
significa muito para mim. Porque representa o marco de uma nova vertente do
autismo no Brasil. Foi a oportunidade de outras crianças se beneficiarem com
técnicas mais responsivas, amorosas e respeitosas em seus tratamentos e dar aos
pais, às famílias e aos profissionais toda uma nova perspectiva de abordagem.
O workshop aconteceria duas vezes no ano seguinte. A
primeira vez seria em São Paulo, Brasília e Rio, no início do ano, e a segunda
vez aconteceria no final do ano.
Nascia a Inspirados Pelo Autismo, administrada por Mariana e
seu marido Alastair.
Iniciamos a divulgação e as inscrições. Era bem divertido
porque a gente estava com a energia toda para divulgar o método. Mas convencer
as pessoas de participarem de algo ainda desconhecido era um grande desafio. Mas
pouco a pouco as inscrições iriam acontecendo.
Deu certo, chegou o grande dia do primeiro workshop. Um
sonho se tornava realidade. E as pessoas não precisariam fazer mais toda
jornada até o Option Institute em Massachusetts para aprender a colocar em
prática o Programa Son-Rise (só se quisessem, né!). Sean e Kat fizeram uma
apresentação incrível do programa. Aplausos. Conhecemos mais mães amigas, entre
elas a Cris mãe do Enzo, a Marilza mãe da Clara, a Raquel mãe do Dudu e seus
respectivos.
Iniciamos o ano de 2008 com o pé direito. No decorrer desse
ano Lorenzo iria se desenvolver muito. E ainda aconteceria o workshop no final
do ano onde eu conheceria pessoalmente mais mães amigas como a Elaine Marabita
e a Andréia Amicucci.
Aguardem a Parte III da trilogia para a continuação dessa
história que se concluirá com Lorenzo em seus dias atuais.
Aurea minha linda que saudade!1Como está o Llorenzo...? Estou aqui encantada e ansiosa pela terceira parte dessa maravilhosa saga!!!!!Sou sua fã de carteirinha!!!!!Bjão jo
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