sábado, 17 de março de 2012

Parte II: Vivenciando o universo paralelo de Lorenzo em si bemol maior



TRÊS ANOS DE IDADE

Dessa vez fizemos uma festinha na escola com os professores do Lorenzo: o Cláudio e a Marina, junto com toda a meninada. A Marina era uma pessoa doce, bonita, muito adorável e dedicada com o Lorenzo. O Cláudio era professor de música e foi ele quem instituiu o pandeiro na vida do Lorenzo. E nesse dia especial ele ganhou um pandeiro da Marina. Já sabíamos que ele não gostava de cantar parabéns, então o Cláudio só tocou no violão a musiquinha. Foi um dia ótimo. Nessa época Lorenzo lidava bem com o ambiente escolar.

Sabe, quem dera nossos outros problemas não existissem para que pudéssemos nos dedicar com mais intensidade no trabalho com nossos filhos especiais. Eu estava reduzindo minhas horas de trabalho e entrando com fé no vermelho financeiro. Não podia ser diferente, eu precisava estar mais próxima do meu filho.

A administração do resto da rotina era bem desafiadora e eu me sentia realmente sob uma enorme pressão. Por isso, no Programa Son-Rise é dito que as mães são Força da Natureza.  Para mim, ser somente a força da natureza era pouco, eu precisava ser a força gravitacional da somatória de todos os buracos negros do universo. Mas estava tudo bem, eu estava com toda a energia alegre de continuar buscando recursos para o Lorenzo.



Continuei meu contato com o Autism Treatment Center of America. Fiz uma consulta inicial gratuita por telefone. Jan-Marie, a consultora familiar, usando seu discurso positivista e metódico (coisas que os americanos sabem fazer muito bem) começou a colocar mais pilha ainda na minha vontade de fazer o curso do Son-Rise. Ela me ensinou a fazer um tal de fundraising, que é uma angariação de fundos para conseguir pagar as despesas do programa do Lorenzo.

Fiz a coisa toda, panfletos, divulgação, sessão de cinema com o filme Meu Filho Meu Mundo.  Nessa angariação de fundos, só os amigos próximos e algumas pessoas da minha família nos ajudaram. As instituições, os clubinhos, as maçonarias, a politicagem, a turma empresarial...ih gente, a coisa não deu ibope com eles não! 

Mas no fim, somamos o que tínhamos com o que arrecadamos e Jan-Marie ainda conseguiu um super desconto para mim.  Tudo certo! Em fevereiro de 2007 eu iria finalmente fazer o meu curso do Programa Son-Rise. Iria sozinha. Mariana me ajudou com toda a logística de como chegar ao instituto. Não a encontraria por lá porque seria bem na época do recesso dela e ela viria ao Brasil visitar a família. Que beleza, em menos de três meses eu estaria embarcando rumo a Massachusetts.

Certa noite meu telefone toca:

 “Oiii!..Estou maravilhada com o Programa Son-Rise!! Soube através da Luzanira que você está indo para o curso, estou doida para ir junto! Não falo inglês, você me ajuda na tradução? Será que ainda dá tempo de tirar o meu  passaporte? Eu preciso ir também! Eu queeeeroooo! Já está dando certo aqui para meu filho! Ah, eu vou!! Você me leva junto então?? Será? Será que dá tempo? Ai que programa lindo! É esse que eu vou fazer! Blá-blá-blá-blá....”

Era uma mãe falante e animada. Figura! Não quis cortar o barato dela assim de cara, mas é que em menos de um mês ninguém consegue tirar o passaporte e muito menos consegue o visto na embaixada americana. Que pena, não teria uma companheira de viagem. Não seria naquele mês que eu iria conhecer a Elaine Marabita. Mas ela já me animara muito com a notícia de que o Lucas, assim como o Lorenzo, já estava dando certo com algumas técnicas do programa.

Barry “Bears” Neil Kaufman e Samahria Lyte Kaufman são os fundadores  do Programa Son-Rise. Raun Kaufman, o filho deles que superou o autismo e que já fez girar muitos pratos na vida é o CEO do instituto.

Um dia, ouvindo uma gravação do Bears Kaufman me identifiquei muito quando ele dizia que Raun  quando pequeno e ainda vivendo totalmente absorvido em seu mundo, balançava seu corpo para frente e para trás, por horas. Ele comparou Raun aos monges do oriente que quando meditavam faziam o mesmo movimento do corpo em busca do estado de vazio da mente. A mãe zen aqui teve uma identificação total com essa colocação, aliás, ele parecia eu falando do Lorenzo. 

A filosofia do Programa Son-Rise era bem de vanguarda para o autismo, muito resumidamente é algo assim:

- Ao invés de forçar a criança a interagir em nosso mundo, nós vamos até o mundo dela.
- As atitudes de amor, aceitação, respeito e não-julgamento são os pilares do programa.
- A criança nos ensina, juntamo-nos a ela em suas estereotipias (ismos). Respeitamos seus isolamentos e também nos juntamos a ela nesses momentos.
- As técnicas do programa são feitas em um playroom, um quarto de brincar livre de estímulos sensoriais. O trabalho é feito um a um, sempre modulado pelos 3E’s: energia, entusiasmo e empolgação. Elogia-se sem economias cada tentativa de interação por parte da criança.

Isso é pura física quântica e metafísica! Por isso funciona, trabalha-se direto no campo das possibilidades criando uma nova realidade e desmancham-se as limitações, nesse caso, do autismo. Muda-se o paradigma atual. Vibrar em um campo energético positivo é algo muito poderoso. Quando dizemos para um filho que ele é inteligente e capaz, quando o elogiamos, modificamos as reações bioquímicas em seu cérebro e o ajudamos a superar as crenças limitantes e cria-se toda uma nova realidade positiva de vida que irá expressar-se em cada célula de seu corpo e toda essa nova informação será impressa em seu DNA.

Mas finalmente chegou o dia da minha viagem.

Ficaria dez dias no instituto. Voei até Nova York. Estava um frio danado, ali fazia uns quatro graus abaixo de zero. Para chegar ao meu destino eu precisava ir de taxi, mas já havia combinado com a companhia antes e o taxista já me esperava.

Quando saímos daquele pedaço agitado da cidade de Nova York, o visual paisagístico começou a ficar muito bonito. Aquela região da Nova Inglaterra branquinha de neve dava uma sensação de déjà vu danada.

Era curioso que a região ocupada pelo Option Institute (esse é o nome oficial do instituto que engloba o Autism Treatment Center of America) ficava sobre a fronteira dos estados de Connecticut  e Massachusetts, mas oficialmente era em Sheffield, MA. Chegamos. O lugar era muito bonito, a plaquinha da entrada dizia: A place for miracles. Tinha toda pinta de ser um lugar para milagres mesmo.

Meu pé afundou na neve quando pisei no chão. Treze graus abaixo de zero. Eu que estava no auge do sobrepeso parecia uma embalagem redonda, de tanta roupa. Era a primeira participante a chegar. E parecia que só tinha eu ali. Mas a terra do Tio Sam é organizada, e eu já sabia para onde deveria ir. Achei meu quarto que dividiria com Kylie, uma mãe da Austrália. Vi um telefone e liguei: “Alouu Jan-Marie! Cheguei, me oriente, estou sozinha!” Cinco minutos depois lá estava ela de corpo presente, hospitaleira, me orientando. 

Vi então os outros funcionários e voluntários que estavam lá, claro que tinha gente no instituto, era só ter andado um pouquinho mais. E Kylie chegou. Passamos a noite sozinhas na casa chamada Ravine House. Por fim, o outro dia chegou. Entender inglês australiano às 7 da manhã e com sono é para os fortes. Mas minha companheira de quarto era uma excelente e divertida companhia.

Todos que faltavam chegaram naquele dia. E o curso começou. Era fascinante estar junto de famílias do mundo inteiro com histórias iguais a minha. Quanto positivismo! Aprendemos o suficiente para dirigir o nosso programa. Ouvimos lindas histórias, conversamos sobre nossos filhos, nos emocionamos, rimos bastante e nos sentíamos prontos para realizar o “milagre” na vida de nossas crianças. Nos intervalos e a noite eu ouvia as histórias das mães que faziam um protocolo biológico chamado Protocolo DAN! (Defeat Autism Now!) No Brasil não existia nada disso ainda. Foram muitas experiências enriquecedoras nos dias que se passaram ali no instituto.



Voltei para casa, continuei o programa. O Lorenzo continuava a ter progressos, mas era certo que tínhamos um longo caminho pela frente.

Ele ainda usava fraldas, cantava no lugar de falar algo, sempre distante dos contextos reais, raramente falava palavras. Adorava o Queen e sabia cantar várias músicas deles.

Lorenzo dependia da gente para tudo, não sabíamos quando ele estava com fome, com sede ou cansado, ele não sabia nos dizer nada. Era agitado, corria o tempo todo de um lado para outro. Ficava desesperado com sons mais estridentes, era ultra-sensível. Babava muito ainda. Escalava tudo sempre que podia, eram grades, janelas, armários. Não obedecia a nenhum comando. Ele sempre tinha melhoras com as terapias naturais, mas faltava alguma coisa para equilibrá-lo mais, e era exatamente o tratamento biológico que só começaríamos quase dois anos depois.




Mariana já havia terminado a formação dela. Tornou-se facilitadora oficial do Son-Rise no Brasil. Ela veio a Brasília então orientar o programa da Luísa, filha da Lu e pude conhecê-la pessoalmente. Ela voltaria a nossa cidade mais adiante para orientar o programa do Lorenzo.

O Davi, um menino com autismo, começou a estudar na escola do Lorenzo. Ele era filho da Flavinha. Eu e a Flavinha trocávamos muitas idéias e um dia ouvimos falar de uma aula de musicalização para crianças na Universidade de Brasília que poderia dar certo para nossos filhos. Fomos lá e conhecemos uma das pessoas que atuava nesse trabalho. Ela se chamava Clarisse Prestes.

Começamos a levar os meninos para as aulinhas e eles ficavam na salinha com várias crianças da mesma idade. Clarisse então, vendo a dificuldade dos dois meninos propôs que no lugar da musicalização poderia se tentar a musicoterapia em outro espaço. 

Ela também era musicoterapeuta e trabalharia com cada menino separadamente. Assim o Lorenzo começou a musicoterapia. O André, cineasta, marido de Clarisse, quando conheceu os meninos ficou impressionado: “O que acontece com esses garotos?” E assim ele se juntou a Clarisse nos trabalhos com as crianças com autismo. A música era toda a motivação do Lorenzo e a musicoterapia tinha tudo a ver com ele.

Lorenzo não tolerava mais ficar na escola. Sua sensibilidade sensorial o deixava muito perturbado. Ele ficava desesperado com os gritos, as algazarras e os choros das crianças. Ele não poderia aprender nada ali sofrendo daquele jeito.

Tiramos nosso filho da escola. Ele só voltaria a frequentar uma quando estivesse sensorialmente apto para isso. Por enquanto ele iria ser trabalhado em casa, no quarto de brincar, era um ambiente onde ele se sentiria seguro e livre dos estímulos sonoros e visuais que ele ainda não conseguia filtrar.

Mariana veio então fazer a visita domiciliar do programa do Lorenzo. Ela foi formidável, deu todas as direções para o programa dele. Foi muito mais fácil o trabalho depois. Ele começou a falar mais palavras, as evoluções apareceram com mais força. 



QUATRO ANOS DE IDADE

A gente nem ligava mais para as festas de aniversário até porque o próprio Lorenzo não estava nem aí para elas. Ele precisava de sossego e de ambientes calmos. Comemoramos só a gente, em casa, com um bolinho.

Ganhamos o Juca, um cãozinho Golden Retriever. Uma fofura enlouquecedora. Levadíssimo, comia todos os sapatos e brinquedos do Lorenzo. Mas tornou-se um grande amigo e parte dessa jornada, e sim, tomou juízo. Lorenzo não era apegado a ele, mas havia uma interação especial entre os dois.




Nessa época, talvez um pouco antes da Mariana começar a trabalhar no país, tínhamos notícias de que apenas quatro crianças faziam o Programa Son-Rise no Brasil. O Lorenzo, a Luísa, uma menina em São Paulo e outra em Blumenau. Ouvíamos falar de outro menino que a mãe, uma diplomata, havia feito o curso mas não fazia o programa.

Praticamente ninguém conhecia o método no Brasil.

Falar em recuperação do autismo para as pessoas ligadas ao assunto no país era quase uma blasfêmia. Falar em Son-Rise era como falar em Papai Noel e Coelhinho da Páscoa. Eu não entendia aquilo, por que as pessoas não queriam acreditar em uma perspectiva diferente para o autismo? Por que não haviam tentado ainda algo mais nobre, mais amoroso como o Son-Rise? Em grande parte dos casos era porque  muitos ainda não tinham acesso às informações diferentes. Em outros casos era porque as pessoas preferiam mesmo ter essa visão sacramentada do incurável. Eu queria muito mudar essa história.

Lorenzo continuava seu trabalhinho só comigo. A Lu fazia o programa completo, tinha uma boa equipe. Nós duas sempre pensávamos em como poderíamos dar um jeito de trazer o Son-Rise para o Brasil. Como a Lu já estava na área há mais tempo e conhecia muita gente, as pessoas davam muita credibilidade ao que ela falava. E a gente começou a cutucar a Mariana, e ela que já pensava nisso, começou a fazer contatos com os amigos do instituto para criar um workshop do programa. “Vai lá Mariana, manda ver que a gente te ajuda!”

Lorenzo continuava precisando de fraldas e já estava difícil encontrar um tamanho que servia nele. Era como se ele estivesse desligado da necessidade de usar um vaso sanitário. A gente tentava trabalhar com ele as idas ao banheiro, porém, não dava certo. 

Ele já sabia manusear todos os botões da TV, do DVD e do som. Suas habilidades como percursionista só aumentavam assim como seu envolvimento com a música. A essas alturas ele já tinha um repertório imenso de canções para cantar. Ele memorizava as músicas rapidamente e passava o dia inteiro,quando fora do trabalho no playroom, cantando e tocando os instrumentos musicais do jeito dele.

Começamos ajudar a Mariana a colocar em prática os planos para o Workshop. A Lu era a que mais trabalhava na logística do evento. Ela ia atrás de patrocinadores, parceiros, equipes de som e tradução simultânea, público, etc. A moça era pra lá de ativa. Eu já era mais passiva e ajudava mais com textos e tradução do material. A Flavinha também ajudava a gente, era uma espécie de pau-pra-toda-obra. 

Sim, já estava certo, os primeiros workshops do Programa Son-Rise iriam acontecer e seriam ministrados no Brasil por dois professores do instituto: Sean Fitzgerald e Kat Houghton. E seria coordenado pela primeira profissional brasileira do programa, a Mariana Tolezani.

Contar essa história do Programa Son-Rise em nossas vidas significa muito para mim. Porque representa o marco de uma nova vertente do autismo no Brasil. Foi a oportunidade de outras crianças se beneficiarem com técnicas mais responsivas, amorosas e respeitosas em seus tratamentos e dar aos pais, às famílias e aos profissionais toda uma nova perspectiva de abordagem.

O workshop aconteceria duas vezes no ano seguinte. A primeira vez seria em São Paulo, Brasília e Rio, no início do ano, e a segunda vez  aconteceria no final do ano.

Nascia a Inspirados Pelo Autismo, administrada por Mariana e seu marido Alastair.

Iniciamos a divulgação e as inscrições. Era bem divertido porque a gente estava com a energia toda para divulgar o método. Mas convencer as pessoas de participarem de algo ainda desconhecido era um grande desafio. Mas pouco a pouco as inscrições iriam acontecendo.

Deu certo, chegou o grande dia do primeiro workshop. Um sonho se tornava realidade. E as pessoas não precisariam fazer mais toda jornada até o Option Institute em Massachusetts para aprender a colocar em prática o Programa Son-Rise (só se quisessem, né!). Sean e Kat fizeram uma apresentação incrível do programa. Aplausos. Conhecemos mais mães amigas, entre elas a Cris mãe do Enzo, a Marilza mãe da Clara, a Raquel mãe do Dudu e seus respectivos.








Iniciamos o ano de 2008 com o pé direito. No decorrer desse ano Lorenzo iria se desenvolver muito. E ainda aconteceria o workshop no final do ano onde eu conheceria pessoalmente mais mães amigas como a Elaine Marabita e a Andréia Amicucci.

Aguardem a Parte III da trilogia para a continuação dessa história que se concluirá com Lorenzo em seus dias atuais.









Um comentário:

  1. Aurea minha linda que saudade!1Como está o Llorenzo...? Estou aqui encantada e ansiosa pela terceira parte dessa maravilhosa saga!!!!!Sou sua fã de carteirinha!!!!!Bjão jo

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