segunda-feira, 23 de julho de 2012

Dessa vez, um poema!




ODE AO LORENZO- Poema de métrica em estereotipia
                                                        Áurea Daia Barreto


Cantarolando, lá vai o menino,
Belas melodias, puro talento.
Solfejando sem desafino,
Segue com seu passo lento.

Um andar de estilo livre
Sempre na pontinha do pé
E sem que nada o desequilibre
Lança ao ar seus tons em ré!

Camaradinha despreocupado
Com doce timbre preciso
Um preciso em demasiado!
E o júbilo expresso em um sorriso.

O menino mexe muito a mão,
Diferente de um regente
Ele rege uma forte sensação
Vinda da percepção diferente.

Seus sentidos se comunicam
De forma desordenada,
As mãos em movimento fabricam
Uma sequência mais arrumada.

Suas palavras são canções
Literalmente falando...
Melodias são comunicações
Até quando pensa é cantando!

Como será esse mundo interior
De frações sonoras variadas?
Certamente mais acalentador
Que o nosso de visões limitadas.

E segue andando o pequenino
Em desconhecida direção,
Canta majestoso esse menino!
Expressa alma e coração.

Qual será seu destino?
Não arrisco a dizer não.
Se de Deus ele é um mimo
Para que preocupação?

Lorenzo e seu magnetismo!
Que músico perfeito!
Personalidade com autismo?
Nem sempre é defeito.

terça-feira, 17 de julho de 2012

Nove anos de idade e de canções traduzidas em ensinamentos



E então Lorenzo fez nove anos de idade.

E já se foram sete anos desde que soubemos que ele pertencia ao tal do espectro do autismo. Sem dúvida passa rápido o tempo!

Sim eu vou confessar que aos nove anos eu imaginava que praticamente todas as coisas referentes ao autismo do Lorenzo já estariam resolvidas. Igual àqueles vídeos bonitos que a gente assiste dos meninos que aos três, cinco anos estão isolados e cheios de características autísticas desafiadoras, mas que aos nove, dez, ah sim, eles mesmos estão dando o depoimento diante as câmeras: “ah, agora eu tenho muitos amigos, vou para a escola, jogo basquete, ganhei o prêmio do melhor aluno do ano, continuo com um Q.I. de gênio e tenho um futuro promissor!” Aí toca aquela música impactante de fundo, mostrando as famílias felizes com o slogan final: “Sim, é possível, siga o seu sonho, acredite!” Já viram esses vídeos que fazem escorrer lágrimas de esperança enquanto apertamos o botãozinho “eject” e depois “off” do DVD player? Que bom que coisas assim podem acontecer não é mesmo?

Mas o que aconteceu ao longo do tempo foi e tem sido muito mais valioso do que o “vídeo dos recuperados do autismo”. É fascinante ver o Lorenzo crescendo forte e aprendendo a lidar com o meio a sua volta. Simplesmente um menino tornando-se um pequeno guerreiro que lida bravamente com suas questões sensoriais ainda em desequilíbrio para fazer parte do mundo da melhor forma que ele consegue.

Passo a passo, desordenadamente, mas em concordância com uma lógica que lhe diz respeito, ele faz suas conexões, cada vez mais brilhantes, com o universo a sua volta. E eu, a mãe, me livrei daquela pressão que nos é imposta nos primeiros anos: “Cure-o!” É muito melhor hoje, com nossa história já amadurecida e desprendida, olhar para o menino e dizer: “Seja simplesmente você a cada dia e eu estou aqui para caminharmos juntos rumo ao seu progresso, lhe ajudando em tudo o que for possível.” E lá vamos nós, acreditando nas possibilidades, compreendendo o continuum entre o existir e o manifestar da personalidade plenamente, sem questionar em que tempo cada coisa irá acontecer.

Cada caminho é único e incomparável embora insistamos no contrário e tentamos buscar esperanças em um caminho que deu certo para alguém. No mundo dos que lidam com o autismo isso é uma constante, mas é também um erro que se corrige quando é transformado em aprendizado. Ahmm? Pois bem, temos um protocolo "X" que funciona para um, mas que para funcionar para outro algo tem que ser modificado porque esse outro tem um caminho único. Mas normalmente o que se tem é: opa, protocolo "X" é bom, cadê o manual, vou seguir a risca, nossa, esse trecho aqui é bom demais, vou botar lá na rede social para todo mundo fazer também. Quando o aprendizado se manifesta, as coisas mudam assim: conheço meu filho, conheci o protocolo "X" que é bom, mas esse protocolo só vai me ajudar no que é mencionado nos parágrafos 37 e 41 e creio que uma adaptação no parágrafo 23 também é útil, o restante não serve, logo não preciso investir meu tempo e tampouco meu dinheiro na íntegra do protocolo "X".

Que papo é esse? Simples. Nós e o Lorenzo, pais e filho, representamos de certa forma sete anos no futuro de quem lida com o autismo há pouco tempo. Muito distante de sermos os reis da cocada preta, apenas já caminhamos em trilhas que muitos ainda irão percorrer, encontramos uma incrível variedade de informações, enigmas, pistas e sugestões de respostas para o Lorenzo. 

Querem um atalho? Não usem para seus filhos o mesmo que usamos para o Lorenzo, ou o que foi usado pelo Pedro, pelo Guilherme, pela Marina, pela Clara, pelo Eduardo em seus caminhos. Mas aprendam sobre o que foi feito, pesquisem, questionem, conheçam seus filhos e filtrem. Não tenham medo de filtrar bastante toda a amplitude de informações que chega até vocês. E fiquem bem quando sentirem que não foi possível naquela hora, naqueles dias ou naqueles dois anos encontrar exatamente o que precisa ser feito. 

Cada caminho é único, e cada encontro de soluções pertence a um ponto em um momento que não podemos determinar. Mas podemos buscar a força da crença, também conhecida por fé, de que esse momento certamente existe.

Mas eu já disse que o Lorenzo fez nove anos de idade? Inteligente, lindo e primoroso em sua unidade que o reintegra em sua perfeição designada por Deus. Sábio, companheiro, falante de seu jeito, musical, tranquilo, espirituoso, piadista quem diria (com uma sutileza que só quem o conhece que sabe interpretar) e cada vez mais conectado aos ritmos e melodias da imensidade da música. 

E eu, a mãe, só aprendendo. E o pai também.

Que orgulho temos de você Lorenzo! Que gratidão sentimos por você existir.